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Sexta-feira, 7/8/2015
Dando conta de Minas
Marta Barcellos
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Quatrocentos e oitenta e dois quilos de ouro em volta, e um "caminhão desengarajado". O termo técnico era este mesmo, "desengarajado", explicou o comandante do Corpo de Bombeiros da cidade de Tiradentes (MG), diante da minguada plateia reunida para o concerto beneficente. Na exuberante igreja Matriz de Santo Antônio, a riqueza do passado parecia desdenhar da situação presente:

- Vivemos à custa de doações. Este ano, conseguimos uma doação muito importante, do BNDES: um moderno caminhão de bombeiros. O mais moderno que existe. O problema é que ele não cabe na nossa garagem. E também não pode ficar do lado de fora, porque é aberto, e os equipamentos dentro são muito caros. Só um par de botas antichamas custa seis mil reais.

Cada ingresso havia sido vendido por trinta reais e, naquele momento, éramos treze pessoas na igreja - sem contar com um sujeito um tanto destacado, ao fundo, com jeito de bombeiro à paisana. Ele devia estar fazendo a mesma conta, 13 vezes 30. Quanto custaria construir uma garagem nova? Quem sabe, fazer um puxadinho na antiga? Eu estava quase abrindo a carteira quando chegaram as três musicistas, elegantérrimas, numa combinação de negro, prata e azul, sem vestígio de um pingo da chuva que açoitava a igreja há meia hora.

Em meu décimo dia de viagem pelas cidades históricas de Minas Gerais, colecionando frases e comportamentos como uma antropóloga em campo, imediatamente interpretei aquele jeito impassível como... mineiro! Ou melhor, mineiro, sem exclamação. Nem as musicistas nem o comandante mencionaram o inconveniente da chuva, apenas este lamentou: "Gostaríamos que isto aqui estivesse lotado, mas faremos outro concerto na quinta-feira. Se gostarem, por favor divulguem."

As três musicistas subiram ao piso onde estava localizado o órgão, junto ao coro da igreja. Com oito fileiras de tubos pintados em estilo rococó, o instrumento foi construído em Portugal em 1788, informou a aparente líder do trio, a flautista Salomé Viegas, depois de apresentar a irmã Amélia, pianista, e a soprano Elisabete Mendonça. A primeira parte da apresentação seria ali em cima; a segunda, no altar principal, onde já estava instalada uma espineta, instrumento de cordas beliscadas semelhante ao cravo.

Quando a música invadiu tudo, como perfume, quando tomou conta dos altares dourados, das esculturas barrocas, dos lustres de prata, finalmente consegui ter um "pensamento mineiro", uma frase cuidadosamente coletada em minha pesquisa de turista-antropóloga: "não vou dar conta disso não". De férias e de tênis, sorte eu não ter passado máscara nos cílios.

Mas dei conta, claro. Acho que nem teria borrado a maquiagem. Sempre que um mineiro diz que não vai dar conta ("dou conta não"), é falsa modéstia, me explicou um amigo. Demos conta, eu e o grupo ampliado para 15, com a respiração suspensa e os aplausos mais barulhentos que conseguíamos, sem disfarçar a surpresa com a qualidade do espetáculo caprichosamente planejado pelas três, intercalando músicas clássicas e barrocas. No panfleto tosco que eu achara por acaso numa mesinha na entrada da igreja, pela tarde, não havia menção às apresentações de órgão ou da soprano: seriam apenas flauta e espineta (que eu não sabia do que se tratava).

Minha vontade era mudar-me imediatamente para Tiradentes (que eu conhecia naquele dia), e dar um jeito de "engarajar" o caminhão dos bombeiros. Antes que roubassem um par de botinas antichamas, imaginado-as galochas. Com tanto ouro, tantos tubos, tanta música, tinha de haver um jeito de lotar o concerto de quinta-feira, ou mesmo de fazer uma temporada retumbante, com doações vultosas. "Vamos dar conta disso!", eu deveria bradar do púlpito, escondendo o sotaque carioca.

Mas quem falava, ereta e mansa, era a flautista, anunciando a última peça da noite. Uma música de autor desconhecido, e, ainda assim, plagiada. Ela nos brindava, no finalzinho, com outra deliciosa história sobre o repertório colonial mineiro: naqueles tempos, as partituras eram de propriedade das paróquias, que nem sempre lhes atribuíam autoria. A música que ouviríamos a seguir havia sido copiada, de ouvido, quando a paróquia rival não aceitou emprestar a partitura. Tempos depois, um incêndio destruiria todas as partituras originais, restando apenas - e por sorte - a cópia.

Voltei para a pousada com aquela última melodia na cabeça, e a imaginação perdida entre caminhões desengarajados e partituras anônimas incendiadas. Teria eu dado conta de Minas Gerais? Provavelmente não. Logo eu, tão orgulhosa de ter passado boa parte da vida identificando diferenças culturais entre São Paulo e Rio de Janeiro, por viver e transitar entre as duas capitais. Enquanto isso, Minas ficava bem ali, quietinha e enrodilhada, com sua aparência neutra. Como se fosse fácil dar conta dela...



Marta Barcellos
Rio de Janeiro, 7/8/2015

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