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Quarta-feira, 2/7/2003
Zastrozzi
Rennata Airoldi

O que pode dar ou tirar o sentido da vida de um homem? Não é algo fácil de enumerar ou descrever. É simplesmente uma questão de escolha. Cada um determina seu próprio destino, sendo ele louvável ou não, dependendo do ponto de vista. Zastrozzi, personagem título da peça, é um tipo peculiar. Um assassino frio e cruel. Como qualquer vilão que se preze. Não apenas um matador, mas o melhor! Cercado, obviamente, por fiéis escudeiros e seguidores, admirado por uns e temido por outros. Isso, aliás, não importa.

Acontece, porém, que, como qualquer pessoa, esse vilão passa por momentos de tédio e necessita descobrir um sentido para a sua própria vida. É desta forma que Verezzi, um artista de vários dons, um sonhador visionário, vira seu único alvo, sua eterna busca. A partir da desculpa de vingar a morte da própria mãe, a brincadeira de gato e rato transforma-se na única necessidade e no único objetivo de Zastrozzi. Perseguí-lo até o fim de seus dias! O bem contra o mal... ou seria o inverso? Aqui, na peça, fica claro o heroísmo direcionado ao assassino e o patético diluído na figura do bom moço.

A peça, escrita pelo autor canadense George Walker, tem sua primeira montagem no Brasil. A apropriação do texto é bem interessante, pois une um certo clima antigo (o texto sugere a ação no século XIX), com a presença de figuras bem conhecidas: a mocinha virgem, o vilão, o moço rico, o tutor, o vassalo, os criminosos. Também tabernas, parques e afins, sempre sob a ótica dos dias atuais. Enquanto o figurino e os adereços carregam o peso do tempo de maneira estilizada, temos igualmente projeções compondo com o cenário. Tudo isso traz à tona um universo lúdico de desenhos animados e das histórias em quadrinhos.

Na verdade, a luz e as projeções são determinantes para confirmar a proposta da direção. A coreografia cênica e a escolha do gestual dos atores são aqui determinantes. Outro ponto a ser levantado é que, em muitos momentos nas cenas da peça, quadros são formados, como se um slide gigante fosse projetado em três dimensões. Isso traz credibilidade até para as coisas mais farsescas que são abertamente realizadas em cena. O melodrama e todos os clichês são, inclusive, bem-vindos. Assim, há um sarcasmo e uma ironia permanentes.

É, aliás, uma escolha perigosa, se não for levada até o fim. Sendo necessário certo radicalismo, pois, no momento em que a "coreografia" aparece mais do que a "atuação" em si, não vemos o personagem que vivência determinada história, mas sim o ator que executa friamente uma tarefa, deixa uma "marca". Isto tudo ainda oscila muito no decorrer do espetáculo. Não estou falando de cenas de luta onde o principal é a coreografia. O risco é o da proposta funcionar como escudo da "não-atuação". Por mais que a "forma" seja determinante nessa escolha, o "conteúdo" deve prevalecer. Independentemente da linha seguida na peça.

Por outro lado, a encenação de Zastrozzi, além propor determinada pesquisa, é interessante por levar o gênero "ação" ao teatro. Talvez uma modernização do antigo "capa-espada". Nos momentos em que o foco principal é a "dança de movimentos" (nas mudanças de cena nas lutas), a precisão e o desenho são muito bem explorados. Tudo sugere lutas marciais, e a influência oriental está não só nos movimentos como também nas tatuagens que alguns personagens carregam na pele. Há, sem dúvida, a referência aos filmes de ação que estão por aí, hoje, em cartaz.

A peça é assim: uma divertida exploração de vários universos e tempos. Um "mix" que aproveita para zombar da própria ficção na obra. Os arquétipos das grandes histórias de crime e perseguição. O ponto de partida é a própria inquietação de Zastrozzi e, a partir dele (de seu ponto de vista), tudo se desenrola. Assim, justifica-se distorções e maniqueísmos. Outra novidade nesta produção é que o ator Selton Mello encara aqui um segundo papel, o de diretor (juntamente com Daniel Herz). Sem dúvida que é uma árdua tarefa dirigir e atuar ao mesmo tempo.

Em "Zastrozzi", o engraçado, o patético estão presentes o tempo todo. Mas, além disso, voltando à discussão inicial, fica claro que o branco só existe em contraste com o preto. Quero dizer, o bem é determinado pelo mal e vice-versa. Assim, um é alimento do outro, um dá sentido à existência do outro. A relação presa-caçador instala um ciclo interminável! Daí temos o átomo de toda essa história.

Para ir além
Zastrozzi está em cartaz no Teatro Folha, até o dia 27 de julho. Sextas às 21h30, sábados às 20 e 22 hrs., e domingos às 19 hrs. O Teatro Folha fica no Shopping Pátio Higienópolis (Av. Higienópolis, nš 618). Maiores pelo telefone: (0xx11) 3823-2737.

Rennata Airoldi
São Paulo, 2/7/2003

 
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